Por que gostamos de estudar algumas coisas, e não outras?

Por que gostamos de estudar algumas coisas, e não outras?

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A palavra “gostar” remete à ideia de “prazer”. Segundo estudos em áreas ligadas à neurociência, as experiências de prazer são sensações corporais agradáveis, que a Natureza nos oferece, para “premiar” comportamentos que favoreçam a sobrevivência do indivíduo e a preservação da espécie. Ao que parece, uma série de neurotransmissores é ativada para nos trazer essas sensações positivas quando matamos a fome ou conseguimos um momento para dormir, por exemplo. Mesmo que não estejamos exatamente com a vida sob ameaça, carregamos essa herança evolutiva em nossos corpos.

De forma análoga, a “dor” corresponderia às sensações desagradáveis experimentadas pelo corpo sempre que estamos diante de algo que nos ameace. Por isso, sofremos ao dar uma topada com o pé ou quando temos uma dor de dente, por exemplo. Nosso corpo está nos alertando para algo que pode criar um prejuízo à nossa vida.

Para além dos prazeres sensoriais, que são sempre imediatos, existem também os chamados prazeres intelectuais. Sem muito esforço, todos nós conseguimos nos lembrar de muitas experiências dessa natureza: a leitura de um bom livro, com narrativa envolvente; uma aula sensacional, em que finalmente entendemos certo conceito; um acerto em uma questão complexa de Matemática, com resposta idêntica ao gabarito.

Em todos esses casos, não há algo sendo experimentado diretamente pelo corpo. Na verdade, pode-se dizer que existe até mesmo um certo desprazer envolvido na atividade. Mas todos têm em comum essa sensação de satisfação após a “operação mental” bem-sucedida. Ou seja, é como se fôssemos recompensados por termos atingido um objetivo, depois de um início em que tivemos que vencer a inércia e colocar nossa mente para funcionar de maneira ativa. Usando a premissa da Biologia para explicar nossos prazeres, podemos concluir que a Natureza premiou a evolução das faculdades mentais humanas, e isso nos trouxe até aqui, dentro da nossa história evolutiva.

No entanto, da mesma forma que experimentamos alguma espécie de dor ao fazer algo que nosso corpo interpreta como negativo à sobrevivência, também temos a mesma sensação diante de insucessos intelectuais. Tentar entender um conceito complexo e não conseguir, errar uma questão depois de várias tentativas, ler construções frasais sinuosas, com vocabulário rebuscado, sem atingir qualquer compreensão – em todas essas situações, há um momento em que desistimos do esforço intelectual e ficamos com a impressão de desgaste inútil. Nossa energia mental e nosso “investimento” em pensar ativamente se mostraram desnecessários, e o resultado é uma mistura de desânimo com certo sofrimento.


Do prazer pontual à evolução cognitiva

Agora, pensemos nesses dois tipos de experiência (o prazer pelo bom resultado do esforço intelectual e o desânimo diante do fracasso mental) e imaginemos uma situação em que uma delas apareça sucessivas vezes na vida de um indivíduo, diante de certo tema. Para sermos mais específicos, tomemos por exemplo a interpretação de textos.

Um indivíduo “A”, ao longo de sua vida (também, mas não exclusivamente, na escola) tem muito mais experiências de entendimento do que de não entendimento. Ele vai construindo uma memória positiva diante desse tipo de atividade e aceitando desafios maiores, para os quais a recompensa de prazer se anuncia proporcionalmente maior também. Mesmo diante de um texto muito difícil, ele fica mais propenso a continuar tentando, porque acredita que, se insistir um pouco mais, conseguirá entendê-lo em algum momento próximo. Ao acumular vitórias sucessivas, esse indivíduo acaba alimentando sua crença no sucesso e sua inclinação a continuar tentando. E, realmente, esse esforço a mais que ele empreende, esse tempo a mais que ele investe, com grande probabilidade, vai se converter em um novo sucesso, criando um feedback positivo e, como consequência, uma evolução em suas competências interpretativas.

Por outro lado, um indivíduo “B”, em suas numerosas experiências acumuladas, tem mais ocorrências de não entendimento do que de entendimento. Dito de outro modo, ele raramente reconhece prazer naquela atividade, pois já “aprendeu” (ou “aceitou”, para ser mais exato) que sua próxima tentativa provavelmente resultará em fracasso. Qual é a chance de que esse indivíduo esteja propenso a empreender energia na próxima interpretação de texto? Qual é seu estímulo para continuar tentando? Como regra, ele acaba se esforçando menos vezes e desistindo mais rapidamente. A consequência típica é que ele acaba por “atrofiar” suas competências intelectuais relativas à interpretação de texto. E aí, à medida que crescer e tiver que enfrentar textos mais complexos, vai se sentir ainda mais incapaz e desestimulado.

Há que se fazer uma ressalva importante a respeito do prazer experimentado sucessivas vezes pelo indivíduo “A” citado anteriormente. Na verdade, para que exista esse feedback positivo que leva ao desejo de estudar mais e, assim, desenvolver, as competências intelectuais, é preciso que o desafio seja crescente. Se o grau de dificuldade da interpretação de textos se mantiver o mesmo, depois de algum tempo o prazer experimentado pelo indivíduo diminui de intensidade. É como se a Natureza reduzisse a recompensa por algo que não adveio de esforço “premiável”. O resultado é uma espécie de confiança excessiva e desinteresse em se desenvolver ainda mais naquela competência.

Em muitos casos, dependendo do momento em que esse crescimento intelectual seja interrompido, podemos dizer que a competência estará abaixo de um nível mínimo exigindo pela vida em sociedade ou até por muitas atividades profissionais.


O que fazer diante do desânimo pelo desprazer no estudo?

Voltando ao estudante “B” (que acerta pouco, não tem prazer na atividade intelectual e dela se afasta), o que fazer para prevenir esse cenário? E, caso ele já tenha se instalado, como fazer para remediá-lo? Existem basicamente dois aspectos em questão: um diz respeito à gradação dos desafios que cada indivíduo precisa enfrentar; o outro tem relação com o esforço.

  1. Calibrar os desafios e aumentá-los com cuidado

Falemos, primeiro, do aumento cuidadoso do nível de dificuldade dos desafios. Durante a primeira infância, diante da falta de autonomia da criança em escolher seus desafios, é preciso que os agentes de educação (pais, professores e instituições escolares) tenham sensibilidade para equilibrar as demandas comuns dos estudantes (típicas de cada série) e o estágio de desenvolvimento cognitivo de cada indivíduo. Depois, o próprio estudante pode fazer boas escolhas, se for orientado a respeito.

Na medida do possível – sobretudo em atividades que não envolvam avaliação –, cada criança deve ser colocada diante de tarefas cujo nível de dificuldade esteja em sintonia com sua competência naquele momento. A ideia é que ela enfrente mais situações em que consiga acertar exercícios de Matemática, por exemplo, do que situações em que não consiga fazê-lo. A premissa é justamente a criação de uma base de autoconfiança e prazer, que garantam o desejo de continuar enfrentando outros desafios.

Naturalmente, é preciso encaminhar uma evolução desse grau de dificuldade, dentro de um ritmo que a criança ou o adolescente consiga acompanhar. Se o ritmo de aumento da dificuldade for lento demais, os desafios ficam muito fáceis, e o prazer obtido na sua resolução deixa de estimular o estudante – como explicitamos anteriormente. Se esse ritmo se acelerar em demasia, os desafios ficam quase impossíveis, e aí o desestímulo ocorre pelo motivo inverso: pelo acúmulo de desprazer.

Mas como definir o ritmo ideal? Qual é a receita para isso? Obviamente, não existe uma fórmula mágica. Esse processo é, em certa medida, individual: cada criança tem uma história e um ritmo. De modo geral, porém, a segmentação etária feita nas escolas costuma ser suficiente (embora imperfeita) para lidar com a média, desde que se trate de uma instituição de ensino realmente reconhecida por um trabalho pedagógico consistente, nas mais diversas linhas e filosofias educacionais.

Nesse sentido, se existir um ritmo médio bem definido pela escola e se isso se aplicar às diversas áreas do conhecimento, a individualização desse desenvolvimento cognitivo diz respeito, principalmente, às exceções: os poucos alunos que, naquela turma, ficam muito abaixo ou muito acima da média. Nesses casos, mais do que as notas (que costumam ser sintoma, e não causa do problema), deve imperar a atenção constante por parte de professores e responsáveis. Para quem está atento, os sinais não demoram a aparecer: rejeição à escola, crítica a certo professor, postura reativa em sala de aula e, principalmente, os primeiros momentos em que apareça o discurso “eu não gosto da matéria X”.

Com essa atenção constante, é possível logo corrigir o ritmo de aumento da dificuldade dos desafios. Isso se refere àquilo que os alunos precisam fazer em sala e também como dever de casa. É preciso voltar a insistir em exercícios um pouco mais fáceis, recobrar a confiança e, só então, oferecer os próximos passos. Quando isso ocorre, uma dica é aumentar a quantidade de atividades práticas, como forma de garantir que, em tempo suficiente, o aprendizado seja reconduzido à média. Dito de outro modo, não se trata de forçar a execução de tarefas mais difíceis, e sim de estimular um número maior de tarefas no nível de prazer da atividade, até que se possa avançar.

A esse propósito, uma ressalva precisa ser feita, no que diz respeito à 3ª série do Ensino Médio – e às vezes até mesmo às séries anteriores do Ensino Médio. No caso da expectativa dos alunos e de suas famílias pela continuidade dos estudos em uma universidade, essas séries finais do Ensino Médio acabam tendo que ajustar o ritmo de cobrança ao grau de exigência do Enem e dos vestibulares. Dito de outro modo, as escolas que têm muitos alunos com desejo de aprovação em boas universidades precisam adequar seu grau interno de exigência ao grau de dificuldade imposto pelo próprio sistema de seleção de estudantes ao Ensino Superior. A consequência disso é que, muitas vezes, os alunos (e suas famílias) sentem uma pressão por desempenho significativamente mais alta. Nesse caso, o desestímulo com os estudos tenderia a se tornar maior.

Por outro lado, a existência de um desafio estimulante para muitos alunos (passar para a faculdade desejada, iniciar seus estudos em uma área de interesse mais específico, começar a construir a profissão) acaba compensando os inevitáveis insucessos ao longo da jornada. É como se, em geral, esses alunos aceitassem mais facilmente o “desprazer” ao longo do caminho, uma vez que enxergam um horizonte promissor para recompensar esse esforço. De qualquer forma, a verdade é que a lógica do esforço crescente acaba ficando dissonante à medida que o Enem e o vestibular se aproximam.

  1. Cultivar o empenho e a resiliência de cada estudante (o conceito “grit”)

O outro aspecto desse desafio diz respeito ao esforço. Como explicamos anteriormente, em muitos casos, a diferença entre acertar uma questão difícil e não acertá-la está ligada ao empenho de cada um, muitas vezes traduzindo na simples insistência em tentar. Há pessoas que, por diversos motivos, são mais resilientes, mais disciplinadas, mais dispostas a continuar se esforçando. Outras desistem rapidamente, cedem logo ao desânimo.

Mais do que uma “característica individual imutável”, a propensão ao esforço é algo que pode ser mais aceitável em certos contextos e menos em outros. Dito de outro modo, é como se existissem ambientes de estudo em que se permita ao estudante desistir muito rapidamente, cedendo ao seu argumento de “eu não aguento”, “eu não consigo”, “eu já tentei”. Talvez até se possa dizer que essa permissividade encontre eco na tendência hedonista dos nossos tempos, em que o desprazer acaba sendo visto como uma espécie de “horror” a ser evitado. Nossa experiência nos mostra que muitos adolescentes acabam desenvolvendo uma habilidade enorme em nos “sensibilizar” sobre seu “sofrimento existencial” com os estudos, nos levando a ficar com pena, a aceitar que eles já chegaram ao máximo.

O que queremos dizer com isso é que “gostar de estudar”, por paradoxal que pareça, requer empenho. Não se trata de um prazer que surja com experiências de prazer. Na verdade, é o contrário: trata-se do prazer que surge necessariamente de algum desconforto durante o tempo em que se está empreendendo o esforço.

Nessa perspectiva, acreditamos que esse esforço precisa ser estimulado e cobrado. Ajudar o estudante a estabelecer nexos de um raciocínio, dividir com ele a tarefa, dar o exemplo dessa necessidade de tentar um pouco mais, oferecer a ele incentivos adicionais pelo empenho (ainda que não bem-sucedido) são formas de materializar essa disciplina. Trata-se, enfim, de passar a mensagem efetiva de que o desprazer é parte da vida, de que há coisas que devemos fazer ainda que delas não gostemos em um primeiro momento.

A propósito dessa competência de perseverar no esforço, muitos estudos recentes na área de Psicologia têm falado da importância de cultivar a determinação. Em particular, a pesquisadora Angela Lee Duckworth – vencedora do MacArthur Fellows Program, considerado o “prêmio dos gênios” – tem publicado obras sobre o termo “grit”, que poderia ser traduzido exatamente como “determinação”, “perseverança”, “força de vontade”. Sua conclusão é a de que pessoas com “grit” tendem a sobressair, mesmo em campos nos quais não tenham “talento inato”. Em outro tópico deste Manual, falaremos um pouco mais sobre essa competência e sobre formas de estimulá-lo, inclusive por meio da “prática deliberada”, outro conceito muito associado ao alto desempenho.

Por enquanto, basta registrar a ideia de não existem caminhos simples para tarefas complicadas. Nesse sentido, a exigência com o “esforço a mais” é imperativa – desde que, é claro, os recursos de suporte ao aluno sejam oferecidos. Afinal, exigir empenho extra sem oferecer ajuda, sem se colocar ao lado do adolescente, de nada adianta, e ainda pode ter efeito em sentido inverso: mais desânimo, mais desestímulo.

Como todo hábito, o empreendimento de energia na tentativa de resolver um problema é algo que precisa ser cultivado. Se você é um aluno e está lendo este manual, sugerimos que experimente dedicar-se um pouco mais a tarefas que considera desafiadoras. Se você é um responsável ou professor, sugerimos que exija esse esforço do aluno, não necessariamente como ordem (às vezes necessária), mas principalmente se colocando ao lado, oferecendo apoio para ir adiante.


Em síntese, gostamos de estudar aquilo que nos dá prazer. E porque nos dá prazer, estudamos mais e nos desenvolvemos mais. E nos desenvolvendo mais, temos mais propensão a continuar tendo prazer aprendendo. Trata-se de um círculo vicioso muitíssimo produtivo.

O problema é que às vezes ocorre o contrário: sentimos desprazer, ficamos desanimados e paramos de tentar. Não tentando, não conseguimos. Não conseguindo, temos pouca propensão a continuar tentando e acabamos ficando atrofiados em certas competências.

Diante desse segundo cenário, o ideal é tentar regular bem o nível de dificuldade das tarefas, para induzir um ciclo positivo. Ao mesmo tempo, é preciso reconhecer que o atingimento de objetivos intelectuais pressupõe empenho, que deve ser muito estimulado, ainda que parta de um desprazer inicial.

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