Quais são as “dores de usuário” no mercado de educação?

Quais são as “dores de usuário” no mercado de educação?

Quais são as “dores de usuário” no mercado de educação? 1650 1100 Vizta

O Brasil tem a mistura perfeita para quem desejar inovar em educação: muitas oportunidades e um mercado de proporções continentais. E, para empreendedores, essa indústria oferece um senso de propósito e missão que o diferencia de setores como o de consumo, por exemplo.

No entanto, em nossas consultorias, percebemos que o caminho escolhido por muitos empreendedores (fundadores de EdTechs ou gestores de inovação em instituições de ensino) frequentemente apresenta um vício de origem: pensar nas soluções que querem prover, antes de estudar com mais afinco os potenciais usuários e suas “dores” reais.

Neste artigo, vamos analisar esse cenário e oferecer um levantamento prévio de “pain points” dos diferentes agentes educacionais, com foco no mercado privado.

Quem são seus usuários?

“Educação” é um termo amplo, que inclui desde serviços de creche até treinamentos in-company para diretores executivos, passando por todo o ensino regular e as muitas formas do chamado “edutainment” – quando o processo de aprendizagem se faz de forma divertida, como no caso de jogos.

Quase sempre, dentro de cada um dos possíveis subsetores, existem diversos agentes operando e o mais importante: é comum haver mais de um “usuário” para o mesmo produto ou serviço, muitas vezes com objetivos diferentes e até conflitantes entre si. Vejamos três exemplos:

  • Educação básica: enquanto crianças e adolescentes desejam que sua escola lhes forneça experiências prazerosas de sociabilidade e liberdade de escolha, os responsáveis podem ter por objetivo justamente o trabalho disciplinar e conteudista.
  • Ensino superior: muitas vezes, tecnologias de ensino e fornecedores de conteúdo criam incentivos divergentes entre os estudantes e professores que fazem uso dos recursos disponíveis.
  • Treinamento e desenvolvimento em empresas: com alguma frequência, os tópicos e formatos de aprendizado que atraem os colaboradores não servem aos propósitos de desenvolvimento alinhados ao planejamento estratégico dos gestores.

Quando existe o foco exclusivo em um único agente do processo educacional, é possível que o produto ou serviço sofra algum tipo de resistência ou até mesmo rejeição por parte de outros agentes. Nesses casos, a suposta inovação acaba não sendo implementada, por melhor que seja.

Assim, o primeiro passo recomendável a quem quer inovar em educação é identificar quais são os usuários e demais agentes envolvidos, tentando entender seus diferentes objetivos e suas demandas.

A esse respeito, a Vizta Educacional sugere que essa identificação leve em consideração estes papéis:

  • Aprendente ou aprendiz: é o usuário final do processo educacional, muitas vezes identificado como “estudante”
  • Docente ou instrutor: aqui está a figura do professor ou facilitador, responsável pela condução do processo de aprendizado
  • Tomador de decisão: é a figura que, em última instância, decide sobre um produto ou serviço educacional
  • Responsável financeiro: como o nome indica, é aquele de cujo orçamento saem as verbas para pagamento
  • Beneficiário complementar: aqui se encontram os indivíduos que extraem valor do aprendizado de outras pessoas

Vale ressaltar que, com muita frequência, um mesmo usuário pode desempenhar dois ou mais papéis simultaneamente. No Ensino Superior, por exemplo, há muitos casos de aprendizes que arcam com os custos do estudo. Outro exemplo é o de professores que tomam decisões finais sobre uso de uma plataforma.

Segundo passo: descobrir as “dores” desses usuários

Nos manuais de inovação e transformação digital, existe o consenso de que as inovações mais promissoras são aquelas oferecem solução para um problema real e agudo do usuário. São bastante raros os casos bem-sucedidos de produtos e serviços que tenham efetivamente “inventado” uma necessidade inexistente. 

A tradução de “pain points” mais comum é a palavra “dor”, justamente porque nem sempre as pessoas conseguem formulá-las na forma de um problema claramente articulado. Cabe ao time de inovação fazer pesquisas exploratórias, levantar hipóteses e propor testes para validá-las.

A esse propósito, nossa sugestão metodológica é a de se manter uma cultura de contato frequente com os usuários e com aqueles que os atendem diretamente. E essas conversas não devem ser marcadas por preconceitos, vieses ou postura defensiva. 

Nossas principais dicas para a condução dessas conversas são as seguintes:

  • Seja natural e informal – quanto mais o usuário estiver à vontade, mais ele estará propenso a conversar e dar respostas reais, sem querer “acertar” o que mais agrada ao entrevistador. Por isso, quanto mais natural for a circunstância da conversa, melhor. Gravadores, câmeras e anotações no papel podem ser úteis depois, mas costumam atrapalhar um pouco a confiança inicial. Tente tornar esses recursos pouco expostos (depois, é claro, de pedir permissão para usá-los).
  • Evite julgar e se defender – na cultura brasileira, as pessoas tendem a não querer confrontar o outro ao vivo, preferindo se “ajustar” e agradar. Isso pode dificultar a franqueza, principalmente se o “entrevistado” perceber algum grau de rejeição. Lembre-se: o momento da pesquisa exploratória é de aprendizado, não de convencimento do outro. Por essa razão, é comum contratar terceiros para conduzir esse processo, evitando alguns dos viéses de quem já se conhece.
  • Faça perguntas abertas – quando temos uma hipótese muito clara, ou até uma ideia de solução, ficamos tentados a descrever a ideia e pedir validação ao usuário. Essa etapa é importante, mas na fase de testes, não no momento de levantamento de “dores”. Algumas sugestões de perguntas exploratórias:
    • Você pode me descrever um pouco seu dia a dia?
    • Como é a sua jornada de trabalho / estudo?
    • O que você faz quando quer atingir o objetivo X? A quem você recorre?
    • O que mais te incomoda nessa jornada?
    • Se você tivesse uma varinha mágica, o que mudaria nisso tudo?
  • Acostume-se ao silêncio – em vários momentos, o entrevistado não tem uma resposta pronta, e aí ficamos propensos a preencher esse “vazio” e já passar à próxima pergunta. No entanto, o desconforto do silêncio é decisivo, até porque permite que a pessoa reflita um pouco mais e tente resgatar algo da memória.
  • Explore as respostas curtas – a cada resposta do tipo “Sim” ou “Não”, prossiga com uma pergunta do tipo “Por quê?”, obrigando o entrevistado a expor mais o que pensa. Também é útil fazer pedidos como “Me conte um pouco mais sobre isso” ou “O que você sentiu nesse momento?”.
  • Não pergunte o que não gera valor – existem certas “verdades” que não precisam ser perguntadas, porque vão criar viés de validação pouco úteis. Perguntar, por exemplo, se a pessoa está disposta a pagar por algo ou se ela faria algo raramente significa que o comportamento dela seria esse. Ela pode estar se conformando à pergunta. Comportamentos só serão validados com testes reais.
  • Conte uma historinha – na preparação para a conversa, vale elaborar uma mini narrativa a ser contada para o entrevistado, em busca de suas impressões. Exemplos concretos ajudam a tangibilizar ideias sem que seja apresentado um produto específico.

Logo depois de cada entrevista, é importante reservar tempo para registrar informações mais importantes e trocar impressões com os outros entrevistadores participantes. Após cerca de dez entrevistas desse tipo, já será possível ter um “termômetro” acerca das principais convergências.

A partir desse momento, é possível sintetizar essas “dores” em um conjunto mais restrito de ideias e passar a uma fase mais assertiva de investigação. Nessa segunda fase, com mais entrevistas, a sugestão é que as recomendações acima sejam direcionadas para os temas em foco.

O objetivo dessa etapa complementar de investigações é hierarquizar as “dores” percebidas, a fim de estabelecer a melhor oportunidade de inovação. Tal priorização deve levar em conta as seguintes dimensões de cada “pain point” dos usuários:

  • Percepção – existem demandas que o inovador percebe como oportunidades, mas que simplesmente não são percebidas pelos usuários. Nesse sentido, é importante perceber como os entrevistados reagem à menção da “dor”, pois isso será fator crítico de sucesso para a adoção das inovações futuras.
  • Relevância – além de perceber a “dor”, é importante que os usuários a considerem aguda, urgente ou decisiva. É essa gravidade que tende a aumentar a propensão a pagar por uma solução que resolva o problema, ou pelo menos o minimize consideravelmente.
  • Amplitude – embora as entrevistas qualitativas não sejam a referência mais confiável em termos estatísticos para perceber o quanto uma “dor” está espalhada entre os usuários, o simples fato de ser mencionada ou endossada pela maioria já um sinal importante para a hierarquização. 

Pode-se fazer um sistema de pontuação simples para cada “dor” a ser explorada, atribuindo um ponto a cada aspecto acima percebido nas entrevistas de aprofundamento. Há quem prefira fazer com que a relevância tenha peso maior. Não existe um “gabarito” para isso. O importante é tentar sistematizar as percepções.

A lógica do mapeamento feito pela Vizta Educacional

Nas consultorias e contatos da Vizta com o ecossistema educacional, foi possível fazer um levantamento extenso das principais “dores” dos vários tipos de usuários.

No intuito de simplificar o modelo, dividimos o mercado educacional em seus quatro maiores segmentos, entendendo que a lógica de cada um é significativamente diferente daquela dos demais. São eles:

  • Educação Básica – conhecida pela sigla K12 em inglês — que faz referência às doze séries escolares a partir do jardim de infância (“Kindergarten”) —, esse é o segmento de ensino obrigatório no Brasil, dividido entre pré-escola, Ensino Fundamental I (1º ao 5º ano), Ensino Fundamental II (6º ao 9º ano) e Ensino Médio (1ª à 3ª série).
  • Cursos Livres – trata-se de todo o conjunto de ofertas não regulamentadas de educação complementar, que inclui idiomas, computação (“coding”), esportes, artes, entre outros. Utiliza-se bastante o termo inglês “after school” para definir esse segmento, considerando que boa parte do público é formado por crianças e adolescentes em fase escolar. 
  • Ensino Superior – trata-se da fase também regulada pelo governo, porém sem obrigatoriedade de oferta, em que se encontram as graduações oficiais cursadas por estudantes que concluíram o Ensino Médio e foram admitidos em processos seletivos.
  • Educação Corporativa – este segmento compreende todas as experiências de aprendizado voltadas ao desenvolvimento profissional dos indivíduos, muitas vezes oferecidas pelas próprias empresas, de acordo com seus objetivos estratégicos.

O leitor atento vai notar que não se menciona o segmento de Pós-graduação na lista acima. Isso foi proposital, uma vez que se trata de um setor muito amplo, cujas características ora se misturam às da Educação Superior (em cursos ‘stricto sensu’, como Mestrado e Doutorado), ora às da Educação Corporativa (nos demais cursos de nomes, durações e escopos diversos). 

Outro aspecto importante a ser observado é que, dentro de cada segmento, há subconjuntos com diferenças internas significativas. Os estudantes e responsáveis dos primeiros anos do Ensino Fundamental, por exemplo, têm objetivos e apreensões diversas daqueles já no final do Ensino Médio. A opção por manter os grandes agrupamentos foi a de facilitar a visão geral, mas vale fazer a ressalva de que mergulhos mais detalhados podem e devem ser feitos.

Em relação aos tipos de usuários, muito embora tenhamos sugerido uma classificação mais ampla no início deste artigo, o objetivo de facilitar a leitura nos levou a escolher cinco grandes agentes que aparecem em todos os segmentos, a saber:

  • Estudante – trata-se efetivamente do aprendiz, isto é, aquele que passará pela transformação educacional
  • Responsável financeiro – muitas vezes, esse papel não é do próprio aprendiz, implicando diferentes “dores” e demandas
  • Professor / Instrutor – aqui se encontra a figura do docente ou facilitador, que terá papel mais ou menos ativo na condução do processo de aprendizado, mas costuma ser um usuário cujas “dores” pode e devem ser endereçadas
  • Gestor / Administrador – trata-se da instância de decisão e comando estratégico da instituição de ensino, responsável pelas diretrizes pedagógicas e comerciais, no caso da educação privada
  • Fornecedor de conteúdo e tecnologia – esse é um tipo de usuário que pode ficar “invisível” nos mapeamentos do setor educacional, mas tem importância crescente com a necessidade curadoria e de tecnologias (pedagógicas ou de back office)

Finalmente, o “mapa da mina”

Dentro do nosso propósito de ajudar nossos clientes a protagonizar a transformação da educação brasileira, entendemos que seria valioso compartilhar nosso mapeamento de “dores”, necessidades e demandas dos usuários do setor.

Naturalmente, essa é uma estrutura dinâmica, na medida em que as transformações na indústria educacional têm sido frequentes e aceleradas. A cada nova versão desse levantamento, faremos uma atualização deste material. O quadro apresentado a seguir foi produzido no segundo semestre de 2020.

Se você tiver qualquer dúvida sobre a lógica desse levantamento ou mesmo sobre algum aspecto mais específico do conteúdo da tabela, fique à vontade para nos enviar um e-mail (contato@vizta.com.br), que responderemos brevemente.

O que fazer com essas informações?

Nossa sugestão é a de que cada empreendedor ou inovador em educação se detenha na análise da tabela, procurando entender o que cada dor significa para cada usuário. 

A partir daí, é preciso escolher um foco para aprofundamento, que pode ser vertical ou horizontal. Ou seja, é possível escolher primeiro um segmento para, em seguida, decidir sobre os usuários e “dores” a serem considerados; ou então definir um usuário e examinar suas dores “através” dos diferentes segmentos.

Não existe forma certa de fazê-lo, mas nossa recomendação é que o processo decisório seja dinâmico e interativo. Em vez de tomar uma decisão e seguir adiante, vale fazer pré-decisões rápidas, conduzir pesquisas e entrevistas de validação e só então “bater o martelo”. 

Vale lembrar que essa definição terá efeito direto no tamanho de mercado disponível, bem como na maior ou menor probabilidade de ter aderência nas soluções desenvolvidas.

Outra ressalva importante é a seguinte: se você já está no ecossistema de educação, atuando em um segmento específico, ficará tentado a se manter nele e com o mesmo foco de usuário que já tem. Afinal, sua experiência pode significar um grande atalho para a criação de “features” e produtos novos. No entanto, não deixe de examinar outras possibilidades, pois os concorrentes e novos “players” podem estar enxergando o mercado de forma menos segmentada, criando ameaças futuras.

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