Inovação sem “coding”: o caso do MAPA do AZ

Inovação sem “coding”: o caso do MAPA do AZ

Inovação sem “coding”: o caso do MAPA do AZ 1652 1100 Vizta

Para muita gente, “inovar” significa desenvolver ou utilizar ferramentas tecnológicas avançadas, criando produtos e plataformas digitais. Essa forma de enxergar as coisas, no entanto, além de desanimar muitos gestores (que não têm expertise, capital ou tempo suficiente para tanto), está equivocada em sua essência, pois desconsidera a própria natureza da criatividade, que consiste em (re)inventar a partir de recursos escassos.

Neste artigo, vamos falar sobre um produto bastante inovador, desenvolvido à época em que estávamos à frente do AZ, rede de escolas do Rio de Janeiro, para o qual utilizamos apenas formulários gratuitos online, um banco de dados bastante simples e muitas ideias.

Entendendo o contexto

O ano era 2016 e nós tínhamos um problema. Desde a fundação do AZ, em 2005, como um pré-vestibular e depois uma escola de Ensino Médio, um dos diferenciais da instituição era o atendimento acadêmico personalizado. Mas como continuar fazendo isso com qualidade e eficiência diante do cenário de crescimento, com mais de 2.000 alunos e alunas na rede?

Até aquele momento, havia uma equipe de Coordenadores Acadêmicos, todos professores de altíssimo nível, que faziam entrevistas individuais com os alunos. Nesses encontros, era feito um “diagnóstico” da situação do estudante, com suas facilidades e dificuldades, propondo-se uma agenda de estudos e algumas metas a serem alcançadas. 

Para serem realmente ouvidos pelos alunos, esses Coordenadores precisavam ser líderes confiáveis, com autoridade conquistada dentro da sala de aula. Afinal, suas indicações incluíam também técnicas sobre como estudar melhor e o que fazer diante de cada objetivo acadêmico pessoal. Era, portanto, um serviço caro, porém embutido na mensalidade: a cada hora, um Coordenador atendia a três alunos, no máximo. Isso quando não havia falta.

Além disso, os próprios Coordenadores começaram a relatar uma sensação de improdutividade com a tarefa. De um lado, havia muitas entrevistas repetitivas, uma vez que os desafios dos estudantes nem sempre eram tão individuais quanto pareciam, havendo certos padrões. De outro, acabava faltando tempo para uma análise mais qualitativa da situação de cada estudante.

De fato, a relação entre a quantidade de horários disponíveis para entrevista e a demanda dos alunos era bastante imperfeita. Uma geração acostumada a recursos sempre disponíveis não entendia muito bem por que seria necessário aguardar alguns dias para o tal encontro.

Por último, acabamos percebendo que o fator humano da orientação acadêmica poderia também ter um efeito negativo em termos de perda de objetividade. Um episódio nos chamou a atenção, perto de uma prova de vestibular, quando a lista de tópicos recorrentes sugerida pela equipe de professores não convergia com um levantamento daquilo que efetivamente vinha sendo cobrado naquela provas nos anos anteriores.

Esse conjunto de impressões e evidências nos levou a concluir que aquela orientação acadêmica “artesanal”, tão decisiva nos primeiros anos, já não funcionava para o tamanho que tínhamos atingido. Era preciso mudar.

A tentação da “solução digital semelhante”

Olhando para o problema de forma ainda desestruturada, nossa primeira ideia foi fazer o óbvio: digitalizar as entrevistas acadêmicas. Os alunos entrariam em um aplicativo, agendariam a conversa no horário mais conveniente, receberiam uma notificação e fariam uma video conferência com o Coordenador de onde estivessem, sem precisar ir ao colégio.

Na outra ponta, haveria muito mais conveniência para o Coordenador, que não precisaria fazer reserva de sala de atendimento, poderia abrir horários em locais e horários de sua preferência, sendo remunerados pela quantidade de entrevistas realizadas.

Se esse era um modelo que já funcionava com logística (Uber, IFood, Rappi) e até com serviços médicos, por que não replicá-lo na educação?

Parecia realmente um caminho tentador, ainda mais porque já conseguíamos imaginar todas as “features” do app e o impacto comercial que isso poderia ter, colocando o AZ à frente de outras escolas em termos de inovação digital.

No entanto… bastou investirmos um pouco de tempo e reflexão para perceber que estávamos no caminho errado.

Em primeiro lugar, desenvolver um app de atendimento como esse, por mais validada que seja a tecnologia envolvida, envolve um investimento inicial altíssimo. É preciso contratar uma equipe de desenvolvimento de produtos digitais (product manager, desenvolvedores, designer) ou procurar alguma “software house” disponível. Em ambos os caminhos, entre o início e o “fim” do projeto, tudo poderia mudar ao longo dos muitos meses de produção.

O AZ já tinha um certo tamanho, mas nada que justificasse esse capital em termos de retorno com uso. Além disso, havia algo ainda mais decisivo: esse aplicativo não resolveria sequer o problema de custo com as horas de Coordenação Acadêmica, muito menos a questão qualitativa da orientação. 

Comece pelo problema, e não pela “novidade”

Passada a empolgação inicial com a inovação por si só, retomamos o problema que precisávamos resolver. Em síntese, estávamos diante do seguinte desafio:

Como garantir orientação personalizada, com qualidade e objetividade, de forma escalável, sem quebrar os paradigmas da organização escolar?

Em outras palavras, precisávamos fazer melhor e de forma mais eficiente o trabalho de orientação realizado pelos Coordenadores Acadêmicos, retirando deles a parte repetitiva das entrevistas e permitindo que seu tempo (com oferta bem menor) fosse alocado em problemas pessoais mais críticos.

Nosso passo seguinte foi analisar como a orientação de estudos de fato ocorria e conversar com alunos para entender que aspectos teriam maior valor para eles. Já tínhamos uma pista importante: havia perfis de desafios para certos grupos de estudantes. Logo ficou claro que deveríamos começar pelos estudantes do pré-vestibular e da 3ª série do Ensino Médio, dado o desafio evidente do Enem e das outras provas.

Em nossa investigação, descobrimos que a principal “dor” a ser minimizada era saber o que priorizar nos estudos individuais. De fato, com livros didáticos e aulas feitos de modo ainda “massificado” e sem um horizonte próximo de alteração desse modelo, como cada estudante deveria hierarquizar suas tarefas?

Nas entrevistas acadêmicas, esse era realmente o ponto chave: a indicação da sequência e das prioridades de cada estudante, conforme suas dificuldades e objetivos acadêmicos.

Nascia ali a primeira ideia do que veio a se tornar o MAPA (sigla para “Metas Acadêmicas Personalizadas para a Aprovação”), e o conceito era simples: sugerir roteiros “automáticos” de estudo para cada estudante, ajudando-o a personalizar seus estudos, mesmo diante de materiais didáticos e aulas iguais para todos.

Do conceito à execução

Na nossa ideia original do MAPA, haveria três passos: 1) O aluno entraria com seus dados e responderia a um formulário para o diagnóstico inicial; 2) Um mecanismo faria o cruzamento dessas informações com outras, relativas às provas de vestibular, às carreiras etc.; 3) O aluno receberia uma orientação individualizada do quê e de como estudar a cada semana de aula.

Como esse fluxo mais ou menos bem definido, passamos à execução. Continuávamos com as mesmas restrições de orçamento. E sabíamos que havia muitas hipóteses a validar antes de escrever a primeira linha de código, caso o MAPA viesse a ter um formato digital.

Para o formulário inicial, utilizamos uma ferramenta bastante simples e disponível: um Google Form. Com uma conta Google (e nem precisa ser uma GSuite paga para esse uso), é possível criar uma sequência de perguntas que alimentariam o diagnóstico inicial: nome completo do aluno, hierarquia de dificuldade por disciplina e também suas prioridades em termos de processos seletivos e carreiras. Esse formulário foi enviado aos alunos por e-mail, mas naturalmente foi importante dar o recado ao vivo nas turmas, de forma a garantir máxima adesão.

Paralelamente a isso, utilizando apenas planilhas simples, também online, passamos à parte mais trabalhosa do projeto, que consistiu em analisar todas as questões de todas as provas recentes do Enem e dos vestibulares do Rio. Para cada questão, identificamos inicialmente o tópico da matéria cobrado e depois também iniciamos o levantamento do grau de dificuldade.

A essa altura, vale fazer uma ressalva importante: desde o início, a metodologia do AZ contava com um importante fator de organização: todas as aulas, de todas as disciplinas, eram “moduladas”, ou seja, havia um planejamento detalhado do conteúdo a ser visto em cada semana de aula do ano, sem qualquer antecipação ou qualquer atraso. E isso era seguido à risca, pois todos os elementos pedagógicos dependiam desse ritmo. Assim, tínhamos uma previsão apurada dos conteúdos a serem trabalhados em cada aula do ano.

Com essas duas informações, conseguíamos fazer cruzamentos e descobrir, por exemplo, que o conteúdo da aula de Física da semana 09 aparecia muito na prova do Enem, porém pouquíssimo nas provas de 1ª ou 2ª fase da PUC-Rio, da UERJ e de outras instituições. 

Finalmente, passamos à parte mais criativa (e hipotética) do MAPA: definir perfis de alunos, criando “clusters” de afinidade. Essa divisão se baseou, inicialmente, na experiência dos atendimentos e dos muitos anos orientando esses alunos. Sabíamos que um candidato a Medicina em uma pública tinha um desafio diferente de um estudante que priorizasse Direito em uma faculdade particular, ou Engenharia em qualquer instituição. Nossa suposição foi a de que existiam cerca de dez perfis principais.

Uma outra ressalva: o banco de dados

Mesmo usando ferramentas online gratuitas, o AZ contava, naquela época, com uma pequena equipe dedicada à Tecnologia da Informação, principalmente para lidar com notas e estatísticas. 

Não é algo comum em escolas menores, então é importante dizer que o conhecimento dessa equipe a respeito de bancos de dados foi essencial para fazer os cruzamentos entre as várias informações: planejamento das aulas, levantamento de incidência nas provas, perfis dos “clusters” e respostas individuais.

Ao mesmo tempo, isso que pode parecer muito difícil para leigos, que não tenham esse conhecimento, não é algo que dependa de programadores com senioridade. Um estudante universitário bem orientado conseguiria realizar as tarefas.

A entrega do MAPA em PDF

Com os cruzamentos dos dados, era possível gerar documentos individualizados, com orientações para cada grupo de alunos, a partir do planejamento das aulas. No início, decidimos que cada “módulo” (ou seja, o conteúdo específico de cada semana de aula em cada disciplina) teria uma gradação por incidência e utilizamos nosso mascote, uma abelhinha nerd, para indicar esses graus.

Para cada um desses níveis, havia a orientação das tarefas que o estudante deveria realizar por semana, indo do estudo da teoria aos diversos tipos de exercício disponíveis. A premissa era a de que, sendo o tempo um recurso escasso, os alunos fariam escolhas, então era melhor que seguissem critérios objetivos para essa priorização.

Aqui você pode ver o exemplo do MAPA de um estudante. Clique na imagem para ampliá-la.

Na tabela da parte de baixo, encontram-se as disciplinas e as semanas de aula. Para cada aula, existe um grau de importância (indicado pelas “abelhas” mascotes da escola), considerado o perfil específico desse aluno. Na tabela de cima, estão listadas as atividades recomendadas para o aluno, conforme cada grau.

Veja agora esta outra imagem, do MAPA de um outro estudante da mesma turma. Repare que, como eles têm prioridades e dificuldades distintas, as indicações variam de um para o outro.

Com isso, mesmo assistindo a uma mesma aula, os alunos acabam por ter experiências personalizadas em seu estudo em casa. E o mais importante: ao fazer escolhas de prioridade segundo uma lógica bastante objetiva, seu desempenho tende a melhorar, como nos mostraram os resultados das provas daquele ano.

A cada seis semanas, rodávamos o cruzamento dos bancos de dados e imprimíamos os PDFs individuais, entregues pessoalmente aos alunos.

Aprendizados e evolução

O MAPA foi razoavelmente bem-sucedido em seu primeiro ano de implementação. O retorno dos alunos foi muito positivo, pois se sentiam acolhidos em sua necessidade de organização. E os Coordenadores Acadêmicos tinham agora uma ferramenta para facilitar os atendimentos, necessários apenas em casos extremos.

Há um ditado famoso dentro da indústria de produtos digitais, que diz mais ou menos assim: “Se você lançou um produto sem defeitos, então é porque demorou demais a lançar.” A ideia é a de que a evolução de uma inovação deve ser feita por testagem com o usuário real, aprendendendo e desenvolvendo com base na realidade, e não apenas por hipótese.

Ou seja, como em todo produto, o MAPA tinha defeitos: candidatos a Medicina, por exemplo, reclamaram que seus MAPAs indicavam prioridade em tudo. Havia também o caso dos indecisos quanto à carreira, que ficavam solicitando mudanças frequentes em um processo que era bastante trabalhoso. E, claro, essa orientação “automática” estava longe de ser automatizada, dependendo ainda de certo trabalho “braçal” das equipes de bastidores.

A cada ciclo, fomos fazendo ajustes nos “clusters”, inclusão de mais provas no banco de dados e ouvindo professores e alunos a respeito da ferramenta. Procuramos medir os tempos necessários às atividades, de forma sugerir uma agenda que realmente fosse possível de executar. E estudamos a expansão do MAPA para outras séries, em que o objetivo de aprovação na universidade ainda demoraria a chegar.

Em 2019, após a aquisição do AZ pelo Grupo SEB, a plataforma de ensino utilizada pela escola se tornou referência para a expansão nacional. Nesse contexto, o MAPA foi inteiramente digitalizado pela Conexia (o braço de tecnologia educacional do grupo), adquirindo um novo formato, ainda mais conveniente e completo.

O que o case do MAPA pode ensinar a você?

O atual formato digital do MAPA está completamente integrado ao aplicativo do AZ e constitui um elemento importante da plataforma nacional da marca. Não faria sentido ter uma ferramenta como essa dependendo de Google Forms, bancos de dados artesanais e distribuição de PDFs.

Quem olha para essa aplicação, porém, pode ter a falsa impressão de que a inovação só está disponível para quem tiver recursos suficientes para um passo desse tamanho.

A verdade, porém, é que a própria conversão do MAPA ao digital foi mais fácil e menos custosa justamente porque um bom caminho havia sido trilhado antes sem toda essa tecnologia. O MAPA poderia ter dado errado, afundando investimentos de alto porte.

No saldo, foi bom não termos contado com capital e outros recursos para desenvolver o MAPA de forma digital desde o início. Fomos obrigados a contar apenas com ideias e empenho, usando a criatividade para driblar nossas limitações. Não fosse assim, correríamos o risco de ficar seduzidos por “features”, sem resolver os problemas efetivos que apareciam.

Em síntese, sempre que estiver diante de um problema cuja solução mais óbvia seja investimento em alta tecnologia, nossa sugestão é que você aplique a metodologia “lean” de solução de problemas, em que tudo comece com a “dor” do usuário e com a aplicação de criatividade. Apenas depois de ter colhido suficientes evidências de sucesso, invista na digitalização, tendo clareza quanto ao retorno que será alcançado.

Back to top