A relação (nem sempre perfeita) entre empenho e desempenho

A relação (nem sempre perfeita) entre empenho e desempenho

A relação (nem sempre perfeita) entre empenho e desempenho 2000 1500 Vizta
esforço

Na vida acadêmica, é comum que as pessoas sejam avaliadas pelo seu desempenho. Resultados em provas, histórico escolar e aprovações em vestibulares costumam constituir a face mais visível dessa realidade. Entretanto, esses “números finais” costumam esconder elementos importantes do caminho, ligados ao esforço, ao investimento de tempo e energia, enfim, ao empenho de cada estudante.

Reconhecer a relação de “causa” e “efeito” entre empenho e desempenho pode ser uma boa estratégia para a tomada de decisões de estudo a cada momento. Ao mesmo tempo, vale a pena entender as circunstâncias em que essa “causalidade” deixa de funcionar plenamente, para que seja possível atuar de maneira mais produtiva.

Para sistematizar melhor o entendimento desse problema, construímos uma “matriz” entre essas duas dimensões, imaginando quatro possíveis cenários, conforme o “grau” de empenho e o “grau” de desempenho dos estudantes. Obviamente, como todo esquema, essa matriz serve apenas como referência geral, não devendo “engessar” uma avaliação sobre cada caso. Aliás, a matriz se comporta de diferentes maneiras para um mesmo aluno ao longo do tempo e de acordo com a disciplina considerada.

Em linhas gerais, haveria quatro possíveis casos:

matriz

Como se pode notar, essa matriz descreve o que deveríamos esperar (empenho baixo = desempenho baixo / empenho alto = desempenho alto), mas também indica duas situações atípicas (alunos que se esforçam pouco e obtêm bons resultados / alunos que se esforçam muito e não conseguem ter bom desempenho).

“Como saber em que quadrante eu me encaixo?”

Antes de passar a um diagnóstico mais detalhado ou à sugestão de “soluções”, convém esclarecer o que está contido nos termos que dão origem à matriz, para que os quadrantes não sejam resultado de uma percepção excessivamente subjetiva.

Em linhas gerais, consideramos que a “linha divisória” entre um empenho baixo e um empenho alto estaria em torno de 80% de “esforço”. Traduzindo esse número para os elementos acadêmicos tipicamente oferecidos pelas escolas, incluiríamos:

  • Feitura de listas semanais de exercício, incluindo a redação;
  • Feitura de exercícios adicionais de apostilas e livros didáticos;
  • Comparecimento às aulas regulares e aulas especiais;
  • Comparecimento a avaliações da série (testes, provas, simulados);
  • Participação em atividades acadêmicas adicionais.

Na verdade, esse percentual de 80% serve como referência global para esses itens, mas a expectativa é que, em alguns deles (avaliações, por exemplo), a taxa de presença seja de 100%.

Do ponto de vista do desempenho, a linha divisória varia em termos da série ou curso frequentado pelo aluno, assim como se seus objetivos acadêmicos. De forma esquemática, poderíamos pensar assim:

  • No ensino regular (Fundamental e Médio), estar acima da média do colégio corresponderia a um bom desempenho;
  • No pré-vestibular, para carreiras menos concorridas, desempenhos acima de 70% são considerados altos;
  • No pré-vestibular, para carreiras mais concorridas, deve-se considerar alto o desempenho que superar 80%.

Nossa recomendação é que cada aluno procure fazer uma autoavaliação a partir desses parâmetros para verificar, em termos gerais e também em cada disciplina, em que quadrante ele se encontra. Esse é o primeiro passo para decidir como orientar os estudantes.

Diagnóstico e recomendações

Feita essa identificação inicial da própria situação, deve-se tentar fazer uma análise investigativa dos fatores que a explicam, a partir da qual se podem construir possíveis encaminhamentos. Para isso, imaginamos os seguintes diagnósticos e recomendações:

1. Empenho alto / Desempenho alto (caso ideal)

Dentro da matriz empenho/desempenho, esse é um resultado esperado e bastante positivo. Afinal, nele estão presentes os estudantes que se esforçam bastante e colhem os frutos desse esforço em termos de resultados. São alunos que aderem à metodologia indicada e, em geral, apresentam esse comportamento esforçado ao longo de toda a sua vida escolar.

caso 1

É interessante enfatizar essa longa duração do empenho, porque é isso que, fundamentalmente, explica o alto desempenho colhido no momento presente. Dito de outro modo, queremos enfatizar que a persistência é fator importante e que os bons resultados não se improvisam.

Para esse grupo de estudantes, que já está no caminho certo, a principal recomendação é a de não “subir no salto”. Com isso, queremos sugerir que se comemorem as vitórias parciais, mas se mantenha no horizonte o objetivo de longo prazo. Manter a motivação, por mais contraditório que pareça, também pode ser difícil quando as metas vão sendo atingidas ao longo do caminho (especialmente se o aluno não se sente desafiado), mas é essencial. Aquele último quilômetro da maratona define as posições finais.

Por isso, recomendamos que esses estudantes busquem referências motivacionais assim que se sentirem um pouco desanimados. Ao mesmo tempo, família e escola podem ajudar na sugestão de exemplos de altíssimo desempenho, quando esses referenciais já não estiverem visíveis no próprio ambiente escolar. 

Se o problema não for exatamente desânimo, mas cansaço, o remédio é outro. Nesse caso, esses estudantes precisam reconhecer que têm direito ao descanso. Uma pausa momentânea, no meio do caminho, é algo “permitido” e valioso, para que a necessidade de parar não apareça em um momento mais crítico.

2. Empenho baixo / Desempenho baixo (caso esperado, mas preocupante)

Também aqui existe um cenário fácil de explicar: se o aluno estuda pouco, suas notas tendem a ser baixas. O desafio, então, é entender por que alguns estudantes se esforçam tão pouco.

caso 2

A nosso ver, existem três explicações principais:

  • Desestímulo generalizado: muitas vezes, o aluno não viu seu empenho anterior gerando resultados e fica desanimado. Isso acontece muito frequentemente com adolescentes mais ansiosos e imediatistas (como muitos da atual geração), que não estão dispostos a manter seu esforço se as respostas positivas demorarem a aparecer.
  • Resistência à metodologia: esse é o caso de estudantes que querem demonstrar postura transgressora diante dos pais, dos professores e da própria instituição escolar. É como se, ao não estudar, acreditassem estar marcando sua personalidade, seu “lugar no mundo”, sua autonomia.
  • Dificuldade de enxergar os efeitos dessa postura: de fato, há certa inconsequência em comportamentos de baixo empenho, como se as tarefas “chatas” de estudo não tivessem relação com o futuro próximo. Nesse caso, cenários de reprovação na escola ou não aprovação no vestibular são “despertadores” tardios, que acabam cobrando, de uma única vez, uma “dívida” acumulada ao longo do tempo.

As recomendações sobre o que fazer nesses casos dependem, até certo ponto, dos fatores envolvidos.

Nos casos em que se percebe que a falta de empenho é transgressora ou irresponsável, é recomendável tentar usar uma mistura de duas forças aparentemente antagônicas. De um lado, a exigência de esforço. De outro, o apoio. A forma de contornar essa aparente contradição se faz pelo discurso:

“Olha, você tem que cumprir essas metas. Isso é inegociável, mas saiba que estarei do seu lado para que ajudá-lo(a). Do que você precisa?”

Obviamente, é mais fácil falar do que dizer. No dia a dia, estar realmente ao lado do aluno, dando suporte e oferecendo ajuda entra em confronto com muitas outras demandas das vidas dos responsáveis. Mas tudo indica que esse seja o caminho mais efetivo.

A alternativa seria criar pressão com ameaça (“Se não estudar, uma penalidade será aplicada”). Em casos críticos, esse caminho pode funcionar, mas apenas quando a penalidade é efetivamente cumprida, sem flexibilização posterior. E aí a recomendação é que se tenha discutido, previamente, a razoabilidade da pena com o próprio estudante, de maneira a evitar excessos e também a induzir a responsabilização. Se o filho não cumpre as metas de estudo (fica em muitas recuperações, por exemplo) e ainda assim ganha a viagem de fim de ano, a mensagem assimilada é a de que não precisará mesmo cumprir uma promessa de empenho posterior. A reversão desse comportamento se torna ainda mais difícil depois de flexibilizações dessa natureza.

No caso dos estudantes que deixam de se empenhar por desestímulo, e não por “malandragem”, a recomendação é outra. Como se trata de estudantes que já mostraram capacidade de esforço em momentos anteriores, devemos tentar recuperar neles a motivação fundamental.

3. Empenho baixo / Desempenho alto (caso atípico)

Neste grupo, encontram-se estudantes que desafiam a “lógica” e, mesmo com baixo esforço, conseguem desempenho de alto nível. É bom esclarecer que, em alguns casos, esse “alto desempenho” pode não ser tão alto assim: se o grupo ao qual o aluno se compara tiver muita dificuldade ou se a cobrança for baixa, ocorre uma falsa impressão de bom desempenho, que precisa ser relativizada. 

caso 3

Se, no entanto, o ambiente for mesmo de alto desempenho e o estudante estiver nesse grupo mesmo com baixo esforço, estamos diante de uma situação realmente atípica. Nesses casos, o que ocorre é que o estudante se beneficia de algum talento inato ou previamente desenvolvido. Costumamos chamá-los de “talentos inerciais“, no sentido de que são competências cuja força remete ao passado e que, por isso, acabam criando risco futuro: sem o empenho contínuo, elas podem não ser suficientes para cenários mais desafiadores.

É como se esses estudantes contassem com uma razoável “poupança acumulada”, que vai sendo utilizada sem a preocupação de gerar mais “renda” no presente. Esse comportamento os leva a correr o risco de não ter “recursos” no futuro, quando as situações se complexificarem (concorrência nacional, por exemplo) — e é justamente isso que costuma ocorrer ao longo da vida acadêmica e profissional das pessoas.

Para lidar com alunos assim, o melhor remédio se encontra na busca de evidências que mostrem as limitações desses talentos inerciais. Inscrevê-los em simulados, competições regionais e até provas reais (vestibulares, Enem) pode ajudar a dar um “choque de realidade”. É com esse objetivo que muitos pais transferem seus filhos para escolas em que haja um universo de estudantes maior e com melhor desempenho acadêmico médio.

Outra sugestão menos radical é desafiar esses alunos com tarefas acadêmicas mais exigentes. Ler um livro difícil e discuti-lo, pedir ajuda para equacionar um problema complexo, levar o aluno a uma palestra de assunto profundo são exemplos de desafios que podem evidenciar a necessidade de investimento no próprio potencial.

4. Empenho alto / Desempenho baixo (caso atípico e preocupante)

Esse último caso é o mais preocupante. Aqui estão os estudantes que efetivamente se esforçam, investem muitas horas estudando, mas não conseguem transformar esse empenho em boas notas. Em geral, quando esse quadro persiste por algum tempo, o desânimo começa a ganhar terreno, e muitos alunos podem acabar indo parar no grupo 2 acima.

caso 4.png

Mas por que esses estudantes não conseguem traduzir empenho em desempenho? Há três motivos principais, eventualmente misturados:

  • Base acadêmica insuficiente: estudantes que não tiveram uma boa base em matemática, por exemplo, demoram muito a conseguir reverter esse quadro. Por mais que se esforcem no presente, é como se tivessem que pagar uma “dívida” antiga com “juros”, e isso pode levar tempo.
  • Objetivo muito desafiador: em alguns casos, o problema está na altura da “barra” que se pretende “saltar”. Às vezes, as notas obtidas são até bastante razoáveis, mas não para o critério de validação. Vestibulandos de Medicina, por exemplo, sabem que notas acima de 80% são o mínimo para terem alguma chance.
  • Equívoco na forma de estudar: ficar muitas horas diante de um livro ou apostila não significa, necessariamente, que se esteja estudando da forma correta. Esse aspecto nos parece especialmente importante. Como o estudo está ligado a hábitos, é comum que estudantes mantenham costumes antigos, mesmo diante de sua baixa eficácia. Para ilustrar, podemos citar o exemplo de alunos que gastam muitas horas fazendo resumos de matérias como Biologia e História. A atividade de procurar informações e redigir sínteses tende a ser mecânica e não exigir verdadeiro esforço intelectual. O resultado é que aquelas muitas horas de “estudo” acabam não se transformando em aprendizado. Nesse sentido, cada área do conhecimento tem algumas metodologias de maior eficácia, que precisam ser colocadas em prática.

No caso de estudantes cujo problema esteja na base acadêmica ou no grau de dificuldade do objetivo, a recomendação é que se faça de tudo para que o desânimo não os “empurre” para o grupo 2 (baixo empenho). É preciso fazê-los acreditar que os resultados tendem a aparecer, porém de forma demorada. E aí, a cada pequena vitória, é preciso celebrar e reconhecer o quanto o empenho anterior se mostrou necessário.

Se, no entanto, o diagnóstico aponta para erros na forma de estudar, é preciso rever a metodologia. Muitas vezes, é difícil que o próprio estudante consiga enxergar seus descaminhos. Por isso, sugerimos uma abordagem descritiva, em que o aluno seja levado a explicar, com o máximo possível de detalhes, sua rotina de estudos: do horário ao local, passando pela ordem das atividades e pelas técnicas empregadas. Com o auxílio do Coordenador Pedagógico ou de um responsável, é possível perceber alguns problemas pontuais e atuar de forma mais precisa.

Em parte, alguns textos desta seção têm justamente a intenção de explicar o que funciona em termos de metodologia de estudo. Muitas pesquisas científicas têm evidenciado os efeitos positivos da chamada metacognição, ou seja, o aprendizado sobre o próprio aprendizado. A esse propósito, apresento aqui uma pequena lista de oito boas práticas, seguidas de comentários avaliativos:

A) ENSINAR PARA APRENDER: em todas as disciplinas, a forma mais eficaz de aprofundar o entendimento de uma matéria é se colocar no lugar do “professor”. Ter que organizar as informações para explicá-las a outra pessoa (um colega, um familiar) exige que façamos os passos do raciocínio e tomemos decisões sobre priorização de informações. Pequenos grupos de estudo podem funcionar para colocar em prática essa técnica, bem como apresentações em sala.

B) MAPAS MENTAIS: essa técnica substitui os tradicionais resumos e consiste em criar estruturais visuais (com palavras, desenhos, cores) que organizam partes do conteúdo. Na verdade, não é o mapa mental em si que faz diferença, mas sua construção. Por isso, não é necessário que se saiba desenhar, por exemplo.

C) PRÁTICA DELIBERADA: sabe-se que, para aperfeiçoar qualquer técnica (fazer uma redação, resolver equações, interpretar textos), é necessário se exercitar bastante. No entanto, a quantidade de horas de prática só vai ser realmente produtiva se for bem direcionada. Nessa perspectiva, a “prática deliberada” consiste em fazer atividades que desenvolvam, com bastante foco, uma parte da competência de cada vez, em vez de todas as coisas ao mesmo tempo. Em redação, por exemplo, treinar a construção e reconstrução de tópicos frasais pode trazer muito mais efeito do que a produção de textos inteiros de cada vez.

D) “INTERLEAVING”: trata-se de uma técnica muito útil para a revisão, que procura evitar aquele fenômeno comum de nos esquecermos de matérias vistas há muito tempo. Essa técnica consiste em ficar alternando conteúdos diferentes no momento de estudo ou revisão (por exemplo, ao fazer exercícios), de forma que o cérebro seja obrigado a “se reconfigurar” para alternar raciocínios, aumentando o “empenho” da memória.

E) “FLASH CARDS”: essa é uma prática de auto-testagem muito utilizada por estudantes norte-americanos, mas pouco difundida no Brasil. Tipicamente, um “flash card” (ou “cartão de memória”) é um pedaço de papel em que se coloca um conteúdo em uma face (uma organela celular, o nome de uma doença, um conceito de física, uma função sintática, um período literário etc.) e, no verso, uma explicação, uma definição, uma fórmula, um desenho. Depois de ter preparado diversos cartões, o estudante pode se testar, olhando uma face, tentando produzir a resposta e só então olhando o verso. É possível até inverter a ordem: começar pela explicação e aí tentar descobrir o “nome” na outra face. Pode-se também fazer esse tipo de atividade em conjunto com outros colegas, em que um lança uma pergunta para o outro. É possível, ainda, misturar flash cards de diferentes disciplinas, para treinar de forma intercalada (ver “interleaving”, acima). Por isso mesmo, uma recomendação é que o aluno use cartões de diversas cores, uma para cada disciplina. É importante que o próprio aluno construa seus flash cards, pois esse esforço ativo já é parte do aprendizado. E uma grande vantagem é poder fazer uso dos muitos cartões várias vezes ao longo do ano letivo, motivo pelo qual é bom usar um papel mais firme.

F) CÁLCULOS SEM CALCULADORA: muitos estudantes usam calculadoras na hora de fazer contas no estudo em casa, para não perderem tempo. Esse “atalho”, no entanto, cobra um preço na hora das provas, pois a habilidade de se fazer raciocínios de forma autônoma fica atrofiada. Então, a recomendação é simplesmente abandonar as calculadoras no estudo independente.

G) CONCENTRAÇÃO NA ATIVIDADE: na hora do estudo sozinho, muitos estudantes usam o tempo de forma pouco produtiva, dispersando bastante a atenção. Com isso, a produtividade de um tarde de quatro horas de estudo, por exemplo, corresponde ao que um estudante concentrado produziria na metade do tempo.

H) CRIAÇÃO DE “FORMULÁRIOS”: todos sabemos que não adianta decorar fórmulas sem conhecer sua aplicação. No entanto, também é verdade que, ao reconhecer um assunto, precisamos nos lembrar de fórmulas aplicáveis, e isso depende da nossa memória. Então, uma boa técnica é criar um “formulário”, ou seja, uma folha em que se anotem fórmulas muito importantes e seus assuntos. Como no caso dos “mapas mentais”, não adianta apenas obter um formulário pronto; a tarefa consiste em criá-lo.

Como sempre, é importante destacar que nenhuma mudança acontece de uma hora para outra. Além disso, nem sempre as pessoas conseguem superar limitações por conta própria. Assim, é necessário ter paciência e contar com pessoas e metodologias para saber o que fazer. Não existe mágica, mas podemos ter muita confiança de que esse longo caminho frutifica.

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